sábado, 21 de maio de 2011

Livro - Professor, Leitura e Leitor: Uma Relação de Prazer ou de Dever?

Professor, Leitura e Leitor: Uma Relação de Prazer ou de Dever?
Maria Anísia Villas-Bôas Tourinho Vidal
A iniciação à leitura transcende o ato simples de apresentar ao sujeito as letras que aí estão já escritas. É mais que preparar o leitor para a decifração das artimanhas de uma sociedade que pretende também consumi-lo. É mais do que a incorporação de um saber frio, astutamente construído. Bartolomeu Campos Queirós, em: O livro é passaporte, é bilhete de partida
Ler leva ao gosto, ao prazer, ao vício, e ninguém melhor que o professor para fazer o papel de Sherazade, do contador de histórias, do aliciador que encaminha o aluno no mundo das letras e das palavras, mundo extraordinário e causador de prazer indescritível... Mas, será que o professor está preparado para promover essa iniciação ao vício da leitura? Vejamos os depoimentos de alguns alunos sobre a leitura na escola:
O gosto e o prazer pela leitura começam quando a criança se deslumbra com o maravilhoso emanado do livro, ou seja, com a história, pois não são as letras nem as sílabas que as extasiam, mas o enredo...
No exemplo acima, faltou ao professor sensibilidade em apontar para a classe o sentido de se ler tais obras. Elas são clássicas representações da vida brasileira! Quanto ao alto grau de tristeza que apresentam, é que esses livros narram a sofrida realidade de um povo; contam a saga de muitas famílias que emigram da seca em busca de melhores condições de vida, falam do sofrimento de deixar para trás suas raízes, seu povo, sua gente. As mortes que são apresentadas nesses clássicos, explicam a lei natural da vida: nascer e um dia morrer. Portanto, é interessante saber que entrar em contato com a literatura é entrar em contato com a vida, que é feita de alegrias e tristezas. Tais leituras, então, trazem uma mensagem que enriquece o leitor, mexe com o sentimental, balança o humano que, muitas vezes, está adormecido no íntimo do seu ser.
Assim, é primordial que o professor, ao sugerir uma obra, fale a seus alunos sobre o autor, faça uma pequena biografia do mesmo e resenhe o livro, explique o porquê de lê-lo e, se necessário, contextualize a história. Também pode compará-lo com a época e o cotidiano em que vivem. Dessa forma, o enredo não será surpresa, o aluno terá idéia do que encontrará na leitura; a fará mais consciente e assim, não apenas a emoção, mas também a razão emanará.
Se o professor mostra que todo livro traz na capa ou nas primeiras páginas o nome do autor, do ilustrador, da editora e o ano que foi publicado, e o faz com convicção, passando para o aluno que tais informações são essenciais e que essa é a primeira leitura que se faz de um livro, esse aluno jamais se esquecerá de procurá-las toda vez que buscar uma leitura.
É mesmo difícil ler nesse país, no qual há uma freqüente valorização do imagético. Não bastasse, o livro ainda é artigo de luxo, de tão caro que é. São poucos os que têm condição financeira de adquiri-los, e muitos desses poucos preferem obter um bem material como o computador, do qual as imagens praticamente saltam da tela e oferecem garantia certa de diversão rápida e imediata. Então, como competir com tal forte e necessário concorrente?
Outro deslize freqüente do professor é que este, ao passar uma atividade não explica do que se trata e nem como fazê-lo, o que deixa o aluno em uma situação difícil: precisa cumprir a tarefa, mas não a sabe laborar. Daí advém o desgosto pela disciplina e pela leitura.
O professor, em apenas alguns anos, quebrou o entusiasmo desse aluno pelos livros, adquirido desde muito cedo, quando os pais liam para ele e davam suporte para que buscasse as primeiras leituras. A conseqüência desse ato é visível até hoje!
Os depoimentos utilizados nos nosso estudos comprovam que a leitura na escola ainda é tida como obrigação e usada como uma atividade avaliativa. Em casos extremos, há prova do livro para certificar-se de que o aluno cumpriu com a obrigação de ler.
Além disso, em algumas ocasiões, a biblioteca, espaço que deveria ser considerado santuário, é profanada toda vez que o professor utiliza esse ambiente para castigar o aluno. Vá para a biblioteca e pegue um livro para ler. Ao final, faça um resumo de dez páginas!
Como esse aluno pode ter simpatia pela biblioteca e pelos livros, se ambos são sinônimos de castigo?
Segundo Barthes (1977), o leitor pode ser comparado a uma aranha: à medida que tece sua teia, segrega a substância com a qual a fabrica, ou seja, ele projeta sobre o texto todo seu conhecimento de mundo. Daí, vê a leitura como construção de subjetividades, na qual envolve preferências, escolhas e, como diz Daniel Pennac (1993:139), direitos. Direito de pular páginas, de ler primeiro o final, de escolher qual livro ler e até mesmo de não ler.
Rubem Alves (2001) acrescenta: o ato da leitura é uma experiência para ser vivida com prazer, experiência vagabunda, ou seja, solta, sem cobranças, sem relatórios, que não se deve ler para responder questionários, ou para interpretação, mas ler por puro prazer. Ler pelo simples gosto de ler. O conhecimento, a interpretação, o questionamento, vêm por acréscimo.
Uma leitura, quando é feita por prazer, com gosto e que busque a fruição, beira o belo e o misterioso. No entanto, os programas escolares esquecem a essência do texto, trabalham apenas com o superficial. Quando não retiram dele o tema, o lugar, o tempo, o espaço, as personagens principais, usa-o para praticar a gramática. Essas coisas nada têm a ver com a interpretação. A interpretação acontece a partir daquilo que está escrito, do que toca o coração...
Assim, convém ao professor, ao término de uma leitura, provocar seus alunos. O que é que esse poema lhes sugere? O que é que vocês vêem? Que imagens? Que associações? Dessa forma, em vez do aluno tentar descobrir o que o autor queria dizer com aquelas palavras, ele responderá a questão criando seu próprio texto literário. É melhor responder a um texto com um outro texto do que com uma interpretação, pois cada texto possui característica própria em que predominam a imaginação e a estética.
Os PCN’s e as tarefas de leitura na escola
Há trabalho mais definitivo, há ação mais absoluta do que essa de aproximar o homem do livro?
Bartolomeu Campos Queirós, em: O livro é passaporte, é bilhete de partida.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tratam, não apenas, mas também da importância da escuta de textos orais e escritos. No entanto, a instituição escola pouco prepara para a atividade de leitura. São raros os exercícios que consideram a faixa etária dos alunos, o ambiente em que vivem, o grau de entendimento, assim como a valorização do conhecimento de mundo deles.
Os Parâmetros curriculares Nacionais sugerem leituras através de jornais, de revistas, de fotos de família, enfatiza a importância de se ler imagens, uma vez que esta, além de ser texto, se compõe como uma unidade de significado. Também sugere que o professor desenvolva práticas leitoras com textos de diferentes gêneros, mas priorizar os que circulam socialmente.
Tais exercícios permitem que o aluno, ao fim de uma leitura expressiva, seja despertado por idéias de intertextualidade, ou seja, é remetido a outros textos já conhecidos. Assim, ocorre uma leitura significativa que pode levá-lo ao prazer, à fruição, à vontade de partilhar as descobertas. Descobertas estas, que ultrapassarão os quatro cantos da sala de aula e ganharão o mundo dos corredores, do pátio...
Dessa forma, leitura é prazer, e por ser prazer, pode ser renovada a cada aula, a cada dia. Por isso, não pensar em leitura como hábito, pois hábito insinua repetição freqüente de um ato, mas pensar a leitura como objeto que leva ao gozo, à fruição... Daí advém a vontade de a ela sempre retornar, já que é do deleite que nasce o desejo.
Através da música Semente do amor (CD Transe total, 1980), o grupo A Cor do Som compara o amor a uma flor, quando diz que esse precisa, para viver, de emoção e alegria e tem que regar todo dia! Assim, também a leitura para viver, precisa dos mesmos sentimentos: emoção e alegria e tem que ser regada, todo dia.
As palavras são portas e janelas. Se debruçamos e reparamos, nos inscrevemos na paisagem. Se destrancamos as portas, o enredo do universo nos visita. Ler é somar-se ao mundo, é iluminar-se com a claridade do já decifrado. Escrever é dividir-se.
Bartolomeu Campos Queirós, em: O livro é passaporte, é bilhete de partida.
O ato de ler consiste em uma atividade de deleite e fruição, a qual leva a um prazer brutal, imediato (sem mediação), precoce (BARTHES, 1977:30). Tudo é arrebatado numa só vez, tudo é jogado, tudo é fruído na primeira vista.
(BARTHES,1977:69). Assim, não confundir prazer com fruição, pois, de acordo Barthes (1977:30-1), se entendo que o prazer e a fruição são forças paralelas, acredito que a oposição entre texto de prazer e texto de fruição está no fato de que este é in-dizível, intransitivo, enquanto o outro é dizível. Ou seja, o prazer é mais fácil, é obtido de forma mais imediata, sem esforço; a fruição, no entanto, decorre do embate, da luta, do esforço de ler. Daí, a fruição dar um prazer mais intenso. Nesse sentido, intui-se que a fruição transcende o prazer.
O que é observado nos depoimentos de Simone Beauvoir, quando se deleitava ao observar a cena de leitura, em casa, junto ao pai, à mãe e à irmã. Também Sartre, no momento em que toma o livro nas mãos e se refugia num cantinho do sótão e de lá sai, apenas, quando aprende a ler. Imagine o gozo que obteve ao descobrir-se leitor! Jorge Amado foi arrebatado ao ouvir as declamações apaixonadas feitas pelo professor de Literatura. A fruição levou-o a produzir textos belíssimos!
Da mesma forma um leitor é tomado quando se entrega ao texto, e pode assim ser encaminhado através de Rubem Alves, Lya Luft, Daniel Pennac ou Bartolomeu Campos Queirós, que também são conduzidos à fruição à medida que constroem textos maravilhosos!
Diante do exposto, esse trabalho, então, permite pensar sobre o quão importante é a prática de leitura para a formação do ser humano, assim como apontar para o fato de que o gosto pela leitura não é intrínseco ao homem, mas pode ser cultivado à medida que o sujeito se constrói como leitor.
Portanto, o ato de ler não se baseia em devorar bibliografias, mas em ler continuamente e com seriedade os livros que os interessem; desfrutar desse prazer, permitir-se às carícias, ao toque. Sucumbir como o sultão, ante à delícia das palavras... Pois, já diz Rubem Alves (2001: Correio popular, Caderno C): Ler é fazer amor com as palavras.

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