segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Papel dos Pais na Formação Leitora dos Filhos

O Papel dos Pais na Formação Leitora dos Filhos
Sumário

1.         Introdução
2.        Desenvolvimento da competência lectoescritora
3.        Insucesso da escola no ensino lectoescritor
4.        Defeitos de aprendizagem presentes na lectoescrita
5.        Ensino da história da língua materna
6.        Desenvolvimento da capacidade de aprender
7.        Bibliografia

1. Introdução

Um  das reclamações mais freqüentes de pais, com filhos em idade escolar, é a de que as instituições de ensino, públicas ou privadas, populares ou burguesas, não têm dado uma resposta adequada e,  em tempo hábil, às crianças que sofrem com as dificuldades de leitura e de escrita no ensino fundamental. As dificuldades lectocritoras atingem ricos e pobres, brancos ou negros, europeus ou latinos, que estão nos bancos escolares.
A escola ainda não responde, eficazmente,  ao desafio de trabalhar com as necessidades educacionais das crianças especiais, especialmente às relacionadas com as dificuldades de linguagem como dislexia, disgrafia e disortografia.
A dislexia ocorre quando uma criança não lê bem ou não encontra sentido diante do texto escrito. A disgrafia e a ortografia se manifestam quando há dificuldade no plano da escrita ou do ato de escrever.
São  os distúrbios de letras déficts que preocupam os pais porque sabem que o sucesso escolar de seus filhos depende, e muito, da aprendizagem eficiente da leitura, escrita e ortografia.

2.    Desenvolvimento da competência lectoescritora

Não são poucos os pais que me relatam, por exemplo, as dificuldades de linguagem de seus filhos.  Educandos, aos 8 ou 9 anos de idade, que apresentam leitura e escrita ou ortografia defeituosas. É a idade não só da aquisição, mas do desenvolvimento da linguagem. 
As causas das deficiências lingüísticas são muitas, mas a tese de que a escola é uma fábrica de maus leitores não deve ser descartada  como a mais importante em se tratando de etiologia das patologias ou distúrbios de letras.
A escola, a rigor, não se deu conta que ensinar bem é favorecer à memória de longo prazo das crianças (MLP) para que, na última etapa da educação básica, quando jovens, tenham desempenho eficiente na hora de ler um livro ou de escrever um texto para concurso ou vestibular.
Em geral, os alunos com dificuldades específicas de lectoescrita, já no final do primeiro ciclo do ensino fundamental, fazem a troca dos fonemas simétricos: t/d, f/v, b/p principalmente. Muitos pais, sem uma resposta eficaz da escola, procuram, fora do ambiente escolar,  profissionais como fonoaudiólogos, pediatras, neurologistas e psicopedagogos. na busca de superação do problema.
Não é por acaso que, hoje, os profissionais de saúde (mais do que os professores) são os grandes leitores e autores de obras relacionadas com as patologias de linguagem.
Quase sempre, com a ajuda desses profissionais que se dedicam à  reeducação lingüística, diagnóstico e intervenção,  o problema da dislexia, disgrafia ou disortografia, é amenizado, compensado, mas não significa a superação definitiva dos distúrbios.


3.  Insucesso da escola no ensino lectoescritor

Os problemas de leitura e escrita deveriam ter resposta eficaz no meio escolar, num trabalho interdisciplinar, contando, é claro, com a ajuda externa de profissionais da psicologia, da fonoaudiologia e da Medicina, mas com soluções endógenas, advindas do próprio ambiente escolar.
O professor, principal agente do processo reeducador, deveria ou deve ser o mais aplicado, o mais qualificado, nas questões referentes à pedagogia da lectoescrita.
Sem um trabalho consistente da escola, as trocas de letras simétricas, por exemplo, tendem a persistir  por toda vida escolar. Em alguns casos, claro,  com menos freqüência. Outros, uma síndrome que acompanhará a criança, o jovem e o adulto por toda sua vida.
É necessário o trabalho de reeducação lingüística, isto é, formar a consciência fonológica dos sons da fala. Ensinar bem as vogais e as consoantes da língua materna.  É esta consciência fonológica ou lingüística que fará com que a criança, ao escrever palavras com letras simétricas (p, b, p, q), pense e repense sobre o processo da escrita alfabética.
Uma das conseqüências da falta de consciência fonológica  é, na escrita formal, os alunos, “saltarem” grafemas, por exemplo: coisa, ela escreve coia/ glóbulo/gobulo.

4.      Defeitos de aprendizagem presentes na lectoescrita

Certo é dizer para pais e educadores ou,  para todos profissionais que operam com diagnóstico e intervenção psicolingüística, que a partir de 8 ou  9 anos de idade e,  já no final do primeiro ciclo do ensino fundamental, é importante que estejam atentos quanto aos defeitos de leitura e de escrita das crianças.
A troca de fonemas, ainda nessa fase, reflete, muitas vezes, uma deficiência de ordem lingüística (  e não um déficit necessariamente neurolíngüístico), na formação lingüística inicial (alfabetização e letramento) da criança.
Sabemos que muitas deficiências estão enraizadas  na própria pedagogia. Muitos de nossos alfabetizadores, em que pesem os anos de experiência, o esforço exemplar, a dedicação ao magistério, têm deficiência de formação. Claro, a má instrução é involuntária. Todavia, traz conseqüências sérias para o processo leitor.
Uma  escola que  ensina, por exemplo, termos, no sistema lingüístico do português, apenas 5 vogais,  estão dando as bases precárias, de ordem cognitiva, para a leitura eficiente, o que acaba por levar o educando à aquisição de uma dislexia pedagógica.
Sabemos que são 12 vogais (7 orais e 5 nasais). Vogais são os sons da fala. Vogais não são letras. Vogais são fonemas, isto é, unidades sonoras distintivas da palavra. Vogais têm a ver com a leitura. As letras, que representam as vogais ou sons da fala, têm uma estreita relação com a  escrita.
Não obstante, a escrita não é espelho da fala. Como se diz, não é necessariamente como se escreve. Não há uma correspondência biunívoca entre fonema ou som da fala com a escrita, com os grafemas.
Nos casos em que crianças apresentam,  insistentemente, a troca de letras, podemos supor, por exemplo, uma dificuldade por motivação fonológica.
Uma informação lingüística ou metafonológica no processo de formação escolar faz diferença na habilidade lectoescritora da criança.
Vejamos, por exemplo,  os fonemas /t/ e /d/ são consoantes linguodentais. Uma surda (/t). A outra sonora (/d/).
Os pais devem estar atentos quanto à articulação desses fonemas:
Estão sendo bem articulados por seus filhos na fala espontânea ou na leitura de textos escolares?
Então, se não estão, que tal um trabalho com as cordas vocais, para que os percebam a diferença quanto à sonoridade ?
É uma hipótese importante. Em geral, quando ocorre esse déficit fonológico, essa hipótese há de ser confirmada na pronúncia ou soletração de consoantes labiodentais, como : /f/ e /v/ e as labiodentais /p/ e/b/.
Os pais, com ou sem formação superior, devem ter o hábito de abrir as gramáticas escolares que, quase sempre, trazem regras pouco claras.
A gramática ensina que “antes de P e B não se  escreve N e sim M”, mas não explica nada. Entretanto, se repararmos bem: /b/, /p/ e /m/ são fonemas bilabiais. O fonema /n/ é linguodental. Por isso, devemos  escrever M e não N. É, pois, uma regra fonológica. Portanto, uma boa explicação do fenômeno fonético promove a consciência fonológica da criança.
 Desse modo, os pais não devem ter qualquer cerimônia para abrir uma gramática ou um dicionário escolar na tarefa coadjuvante de ensinar a língua materna. 
Aos filhos, com dislexia escolar, pode um pai ou mãe (ou mesmo um irmão mais velho) abrir a Gramática, na parte relativa à fonologia, e ver o quadro das consoantes da língua portuguesa.
Observará a família, lendo as gramáticas escolares,  como são classificadas quanto ao modo e ponto de articulação. Deve articular cada consoante. Olhar para seu filho ou filha.  Pedir para que olhe  o movimento de seus lábios quando articulam fonemas em algumas palavras do cotidiano (papai, bola, caderno, faca, tarefa etc).
Pedir também que imitem sua articulação é um modo antigo, mas interessante de aprender. Há um ditado latino que diz: a repetitio studiorum mater est (A repetição é mãe do conhecimento). A repetição acaba por levá-los, assim,  à consciência dos fonemas. 
Um pai ou uma mãe que assim se disponha a ensinar, mesmo não sendo um(a)pedagogo (a) ou lingüisto(a) de formação, poderá, com esse procedimento, ajudar na formação leitora de seus filhos.
As famílias têm, pois, um importante papel na formação escolar de seus filhos.


5.     Ensino da história da língua materna

Por fim, sempre desconfiemos do que pode estar ocorrendo na formação escolar dos filhos.
Às vezes, a escola  deixa de dizer, por negligência ou incompetência,  que as letras do alfabeto surgiram, a 3.000 anos,  antes de Cristo.
O “a” ou o “A”, minúsculo ou maiúsculo, foram inspirados na “cabeça de um boi”; a letra “b” foi inspirada, por sua vez, numa “casa mediterrânea de teto achatado” e que o “´p” foi motivado, em seu traçado, por “uma boca” e assim por diante. A escola precisa desenvolver essa competência lingüística.
 Na verdade, quis dizer até aqui o seguinte : a escola precisa devolver  à criança a competência lingüística e metalingüística, para que cumpra ( a escola) o papel de desenvolver  a capacidade do educando de ler para aprender, de escrever para aprender, de aprender a aprender.
Revelar que a língua é histórica, que seu alfabeto tem origem grega, tem influência hebraica, tem marcas dos signos semíticos e traz também as marcas pictográficas de hieróglifos egípcios, é de extrema importância para o reconhecimento das letras, para decodificação, primeira etapa da leitura proficiente.
A história das letras do alfabeto devem fundamentar as aulas de língua materna na educação infantil e no ensino fundamental. 
Assim procedendo, cedo o professor ou pai desconfiará ou desconfiarão, quando do processo escritor da criança, que um  erro na caligrafia pode ser motivado por questão de lateralidade nos traços das letras.
A desconfiança  docente ou dos pais servirá como boa hipótese significativa para uma pedagogia compensatória no quadro da deficiência lingüística.
 Refiro-me a uma pedagogia de ensinar coisas simples. Ensinar bem é ensinar com simplicidade, com objetividade. Aliás, a ciência da linguagem, a lingüística, se caracteriza pela explicação e descrição claras dos fenômenos da linguagem.
Vejamos, por exemplo, “p “e “b” como são letras parecidas. Quando a perninha desce é um “p” , mas quando sobe é um “b”. Subir e descer. Descer e subir. Espaço. Lateralidade. Fácil para os adultos. Grande complexidade lingüística para as crianças na educação infantil e no ensino fundamental.
Uma letra (ou grafema) parecida com um outro signo gráfico, mas com traçado diferente, pode representar, na leitura,  um som diferente e, conseqüentemente, trará significado diferente na produção lexical, frasal e textual. Fácil ,não? 
Os professores estudaram os fatos da língua. Sabem disso informações da aquisição, desenvolvimento e processamento da linguagem. Mas uma criança aos 9 anos pode não armazenar as informações lingüísticas de forma eficiente.
Quando não se aprende a grafar bem pode ser uma deficiência de percepção espacial, de lateralidade. Pode ser, pois, uma deficiência cognitiva.

6.    Desenvolvimento da capacidade de aprender

É preciso que a escola ensine aos educandos como se dão as coisas relativas ao conhecimento da linguagem, como se processa a informação lingüística. E isso serve não só para o ensino da língua materna como também para as demais disciplinas escolares.
Um cálculo como 34 x 76 tem muito a ensinar além do resultado. Há o processo (as etapas de uma operação matemática) que deve ser visto como algo mais significativo no ensino e, por que não dizer, mais significativo, também, no momento da avaliação formativa.
As crianças precisam aprender e apreender essas informações da linguagem, da leitura, da escrita e do cálculo,  com clareza e de forma prazerosa, lúdica. Quem sabe, ensina.
Quem ensina, deve saber os conteúdos a serem repassados para o aluno. A escola precisa levar as crianças ao reino da contemplação do conhecimento. Vale o inverso: a escola deve levar o reino do saber às crianças.
Nas ruas, as crianças não aprenderão informações lingüísticas. Farão, claro, hipóteses, extraídas, quase sempre da fala espontânea. É nas  escolas, com bons professores, que aprenderão que  essas informações lhes darão habilidade para a leitura e para a vida fora da escola.
Nos lares, a tarefa de reforço do que se aprender na escola se constitui um complemento importante, desde que os pais se sintam parte do processo.
Aliás, a educação escolar, de qualidade, é um dever das instituições de ensino. Doutra, dever, também, compartilhado por familiares  e co-responsabilidade dos que operam com os saberes sistemáticos, que envolve  a sociedade como um todo.

7. Bibliografia:
·   CAMPS, Anna, RIBAS, Teresa. La evoluación del aprendizaje de la composición escrita em situación escolar. Madrid: CIDE/MECD, 2000.
·   DOCKRELL, Julie, MCSHANE, John. Crianças com dificuldades de aprendizagem: uma abordagem cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
·   ELLIS, Andrew W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. Tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, l995.
·   FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem.2ª edição revista e aumentada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
·   GARCÍA, Jesus Nicasio. Manual de dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, l998.
·   GATÉ, Jean-Pierre. Educar para o sentido da escrita. Tradução de Maria Elena Ortega Ortiz Assumpção. SP: EDUSC/COMPED/INEP, 2001.
·   GERBER, Adele. Problemas de aprendizagem relacionados à linguagem: sua natureza e tratamento. Tradução de Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
·   MASSINI-CAGLIARI, Gladis, CAGLIARI, Luis Carlos. Diante das letras: a escrita na alfabetização. Campinas, SP: Mercado de Letras/ALB/FAPESP, 1999.
·   PÉREZ, Francisco Carvaja, GARCIA, Joaquín Ramos. Ensinar ou aprender a ler e a escrever? Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
·   SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. Produção de Maria Augusta Bastos de Mattos. 4ª EDIÇÃO. SP: Globo, l99l.
·   TEBEROSKY, Ana. Psicopedagogia da linguagem escrita. Tradução de Beatriz Cardoso. 8ª edição. Campinas, SP: UNICAMP/Vozes, 1996 

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